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segunda-feira, agosto 13, 2007

Werther (Parte 1)

Sim, é Agosto. Sim, estou de férias. E como tal, há quem decida pôr a sua leitura em dia neste período, por variadíssimas razões: uns porque é um lazer a custo zero, outros porque é um hábito que se tornou quiçá um vício ao longo dos tempos, enfim.
Eu estou a fazer exactamente o que disse no final de Julho: vou passar grande parte das minhas férias rodeado dos meus livros, das suas histórias e mundos afins.
Optei por começar por Werther, uma obra alemã muito conhecida do autor Johann Wolfgang von GOETHE. Trata-se de um romance da corrente modernista com influências iluministas provenientes da época. Pensei que fosse ser algo de fácil leitura. Afinal enganei-me. É um livro sobre o qual devemos ter atenção sobre o mínimo detalhe, a máxima descrição, e sobretudo pelas reflexões por ele feitas ao longo do livro. Devo dizer que para mim, foi uma surpresa. Várias das reflexões que vão surgindo ao longo do livro, são pensamentos com que nos continuamos a deparar na actualidade, além de que me identifico em alguns aspectos com a personagem principal do livro (Werther).
Deixo-vos aqui alguns excertos, com algumas das reflexões descritas pelo autor. Leiam e pensem para convosco próprios… E vejam que a vida é um horizonte de rumos complexos…

4 de Maio de 1771

“ (…) Não quero ficar a remoer o mais pequeno mal que o destino me envia, como tenho sempre feito; quero gozar o presente e esquecer o passado.
Tens razão, meu amigo, os nossos desgostos não seriam tão acerbos se os homens – e só Deus sabe porque os criou assim – em vez de suportarem o presente de ânimo sereno não obrigassem a memória a recordar males passados.
(…) Sinto-me bem aqui. A solidão, nesta região paradisíaca, é um bálsamo precioso para o meu coração, e esta estação da juventude aquece-me o coração por vezes tão sensível. Cada árvore, cada sebe é um ramo de flores; dá vontade de ser besouro para voejar sobre este oceano de verdura perfumada e aí encontrar o seu alimento.”

10 de Maio

“ (…) Amigo, que assim me vejo inundado de luz, quando o mundo e o céu vêm gravar-se-me no coração, como a imagem de uma mulher amada, então digo a mim próprio: «Se pudesses exprimir o que sentes! Se pudesses exalar e fixar sobre o papel o que vive em ti com tanto calor e tanta plenitude de maneira a que essa obra se transformasse em espelho da tua alma, como a tua alma é o espelho do Eterno!...»
Meu amigo, sinto-me a desfalecer de êxtase!
A minha fraqueza sucumbe ante a grandiosidade destas visões.”

13 de Maio

“ (…) Acaso será preciso dizer-to, a ti, meu bom amigo, a quem tantas vezes fatiguei com os meus modos bruscos, passando subitamente de um acesso de desprezo a uma louca alegria e do abatimento melancólico à tempestade do furor? Trato o coração como se trata uma criança doente, satisfazendo-lhe todos os caprichos.
Mas não o digas a pessoa alguma: quem o soubesse veria no meu procedimento um crime.

15 de Maio

“ (…) Em geral, os homens de certa posição abstêm-se de qualquer familiaridade com gente de classe inferior pelo receio de perderem um pouco da própria dignidade; havendo também gente leviana, estouvada e de mau gosto que só se aproxima do povo para o desdenhar e motejar.
Bem sei que não somos, não poderíamos, nem saberíamos ser todos iguais; mas na minha opinião, aquele que se afasta do povo para se impor ao respeito é tão digno de censura como o poltrão que foge do adversário pelo receio de ser vencido.

17 de Maio

“Tenho aqui travado conhecimentos de toda a espécie, mas ainda não estabeleci relações. Não sei o que de atraente encontram na minha pessoa; há muitas pessoas que simpatizam comigo e me fazem companhia, de maneira a sentir-me triste quando é por pouco tempo que passeio com elas.
Se me perguntares como é a gente daqui, responder-te-ei: como em toda a parte. A espécie humana é de uma desoladora uniformidade; a sua maioria trabalha durante a maior parte do tempo para ganhar a vida, e, se algumas horas lhe ficam, horas tão preciosas, são-lhe de tal forma pesadas que busca todos os meios para as ver passar. Triste destino o da humanidade!
De resto é boa gente.
Quando, às vezes, me esqueço de mim e partilho com eles das alegrias ainda acessíveis aos homens, uma alegre reunião à roda de uma mesa bem servida, ou em passeios, bailes campestres e coisas semelhantes, sinto um benéfico bem-estar se consigo esquecer que há em mim outras faculdades cujas molas se enferrujam por falta de exercício e que sou obrigado a dissimular cuidadosamente.
– Ah! Como este pensamento me confrange o coração!...
E, no entanto, ser incompreendido é a sorte de muita gente! (…)”

22 de Maio

Que a vida é apenas um sonho já antes de mim outros o disseram, e é esta uma ideia que me persegue por toda a parte. Quando vejo em que estreitos limites se encerram as belas faculdades do homem; quando vejo que a sua actividade e a sua inteligência se esgotam para a simples satisfação de necessidades tendentes a prolongar a nossa pobre existência, quando considero que a sua tranquilidade, em presença de certos problemas da vida, é tão-somente uma ilusória resignação, como seria a do prisioneiro cujo cárcere tivesse as paredes revestidas de pinturas atraentes e variadas, então, (…) concentro o espírito em recolhimento e encontro nele um mundo de pensamentos… ou antes de percepções confusas e de vagos desejos… Não são raciocínios, ainda menos projectos de acção, mas intangíveis sonhos que me flutuam ante os olhos e nos quais gostosamente me perco.
Todos os pedagogos do universo estão de acordo sobre este ponto; as crianças querem as coisas sem saber porque as querem; mas que homens feitos se arrastem, cambaleando, pelo globo, como as crianças, sem saberem, como elas, de onde vêm nem para onde vão, que não tenham mais conhecimentos dos seus actos e que igualmente se deixem governar com açoites e bolos, eis o que custa acreditar. E, não obstante, é tudo quanto há de mais verdadeiro.
Concordo de bom grado (…) que esses são os mais felizes; como as crianças, só vivem para o presente, passeando, vestindo e despindo cem vezes as suas bonecas; espreitando, com cobiça e respeito simultaneamente, a gaveta onde a mamã tem os bolos guardados; e quando, enfim, conseguem o que desejam, gritam com a boca cheia: «Mais!»
Sim, são essas as mais felizes criaturas. Felizes também aqueles que, dando às suas ocupações fúteis, ou mesmo às suas loucuras, nomes pomposos, as que querem fazer passar como proezas de gigante, realizadas em proveito, honra e glória da humanidade. Ditosos os que assim podem pensar! Mas quem os aprecia pelo que eles valem e vê aonde isso conduz; quem vê com que jubilo o modesto burguês faz do seu pequeno jardim um paraíso e com que humilde resignação o desprotegido da sorte, vergando ao peso da miséria, se arrasta pelo caminho espinhoso da vida! Quem vê que em todos é igual o desejo de contemplar um minuto mais a luz do céu, esse sim, observador calmo e livre de cuidados, arquitecta o seu mundo e é feliz, porque pensa e é homem. Por pouco inteligente que seja, basta-lhe ter no coração o sentimento consolador da sua liberdade e saber que pode sair desta prisão logo que queira.”

26 de Maio

“ (…) Só ela (a Natureza) tem tesouros inexauríveis, só ela pode criar os grandes artistas. Muito se pode dizer em favor das regras, como também em louvor das leis da sociedade. Assim o homem que se conduza segundo as regras nunca produzirá um trabalho ridículo ou mau, do mesmo modo, aquele que obedeça às leis e às convenções sociais não será nunca um vizinho insuportável nem um emérito malfeitor. Mas também, diga-se o que se disser, as regras atrofiam o verdadeiro sentimento e a pura expressão da natureza. (…) ”

30 de Maio

“ (…) Fui hoje testemunha de uma cena, que, bem descrita, daria o mais belo idílio do mundo.
(…) Se, após este exórdio, esperas alguma descrição grandiosa e sublime, vais sofrer uma desilusão. Foi simplesmente um camponês que despertou em mim esta emoção.
(…) Estavam reunidas algumas pessoas debaixo das tílias, a tomar o café; como, porém, não fossem muito do meu agrado, procurei um pretexto e deixei-me ficar para trás.
Vi então sair de uma casa próxima um camponês, ainda novo, que foi fazer qualquer reparação na charrua que eu tinha desenhado. Agradou-me o seu aspecto, e aproximando-me dirigi-lhe perguntas sobre o seu modo de vida. Dentro em pouco já entre nós havia uma certa intimidade, como me acontece frequentes vezes quando falo com esta boa gente.
Contou que estava ao serviço duma viúva, por quem era tratado com extrema bondade. Mas com tanto entusiasmo me falou dela, tecendo-lhe tão grandes elogios, que compreendi rapidamente que ele lhe era dedicado de corpo e alma.
-- Já não é nova – acrescentou ele – e, como foi muito infeliz com o marido, que a tratava muito mal, não quer tornar a casar-se.
Toda aquela narrativa mostrava tão claramente quanto a seus olhos ela era bela e sedutora, quanto desejava que ela o acolhesse para lhe fazer esquecer os agravos do marido, com tanta paixão o disse que seria preciso repeti-lo palavra por palavra para poderes compreender a dedicação, o amor e o entusiasmo daquele homem. Seria preciso possuir o talento do maior poeta para reproduzir a expressão daqueles gestos, a energia daquele olhar vago e rude e a animação daquele semblante. Não. As minhas palavras só imperfeitamente te descreveriam a ternura que lhe brilhava nos olhos; tudo o que eu dissesse seria vago e descolorido. Impressionou-me em especial o receio que ele deixou transparecer de que eu concebesse quaisquer desconfianças sobre o bom procedimento do seu ídolo, ou que a suspeitasse capaz de esquecer o que devia à própria dignidade.
Aquela linguagem abalou-me profundamente o coração. Nunca na vida encontrei tanto ardor aliada a tanta pureza. Digo-o sinceramente; nunca tinha imaginado, ou sequer sonhado essa pureza. Não me ralhes se à recordação desta inocência e sinceridade sinto no interior um fogo abrasador que me persegue para onde quer que vá, e me inflama, me consome e enfraquece. Quero ver essa mulher… mas não… pensando melhor, devo evitá-la e vê-la apenas pelos olhos do seu adorador. Talvez aos meus olhos ela não parecesse tão bela como é neste momento. Para quê, pois, prejudicar o meu ideal?”


(Continua...)

Fiquem bem...Fiquem em paz... [ ]

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