1 de Julho
“ (…) Não há anda mais que me desgoste do que ver os homens atormentarem-se reciprocamente, e em especial, se, sendo moços, na flor da vida, quando as suas almas facilmente se poderiam abrir a todos os sentimentos do prazer, perdem por estúpidas susceptibilidades os poucos dias bons de que podem gozar, compreendendo somente quanto é louco esse desperdício quando já não é tempo de reparar o mal. (…)
- Estamos continuamente a lamentar-nos por termos tão poucos dias bons e tantos maus: mas, na minha opinião, queixamo-nos infundadamente. Se a nossa alma estivesse sempre aberta ao gozo da felicidade que Deus nos concede, teríamos depois a força necessária para suportar o mal quando se nos apresentasse.
- O pior (…) é que não temos o coração nas mãos. Há coisas que dependem do corpo. E quando o corpo enferma a alma adoece também.
Concordei.
- Mas, nesse caso – acrescentei em seguida –, devemos procurar aplicar qualquer remédio.
- Sou de igual parecer – disse Carlota. – Pelo menos, julgo que muito se pode obter por nossa iniciativa, e digo-o por experiência própria. Quando qualquer coisa me inquieta ou entristece, levanto-me de onde estou, vou a dançar até ao jardim, canto duas ou três árias… e era uma vez o desgosto!
- Era exactamente isso que eu queria – confirmei. – Acontece com a má disposição de espírito o mesmo que com a preguiça, visto que temos para estas tendências naturais; mas, se temos força para reagir e nos reanimarmos, o amor ao trabalho vence e achamos que a actividade nos dá um grande gozo.
(…) Schmidt objectou novamente que ninguém pode ser senhor de si próprio nem dominar as próprias sensações.
Repliquei:
- Aqui trata-se de um sentimento desagradável, de que cada um deve querer defender-se; e quanto às forças morais, ninguém conhece até onde chegam as suas antes de as experimentar. O desejo de um doente não será consultar todos os médicos, acatar e cumprir-lhes todas as prescrições, submeter-se ao seu tratamento por mais rigoroso que seja, para recobrar a saúde perdida? (…)
- Não falta quem pregue contra os vícios da humanidade; mas nunca ouvi que no púlpito alguém condenasse o mau humor. (…)
Por fim Schmidt retomou a palavra:
- O Sr. Werther chamou ao mau humor um vício Parece-me um tanto exagerado.
- Um vício sim, nada menos – respondi eu –, se esse nome se pode dar ao que nos prejudica a nós e ao nosso próximo. Acaso não basta a impossibilidade em que nos encontramos de nos tornarmos mutuamente felizes? Será ainda necessário destruirmos uns aos outros os poucos prazeres que nos é permitido gozar? Mostre-me um homem de mau humor corajoso bastante para ocultar a sua melancolia, carregando sozinho com o peso dela, para não perturbar a alegria dos que o rodeiam; não será antes um despeito interior da nossa própria insuficiência, um descontentamento de nós mesmos, sempre aliado à inveja excitada por uma louca vaidade? Não há ninguém que possa encarar com gosto quando essa felicidade não for obra nossa. (…)”
8 de Julho
“ Como somos crianças! Até de um olhar temos ciúmes! Como somos crianças!
Fomos passear (…). E durante o nosso passeio, julguei ver nos olhos negros de Carlota… Estou doido! Perdoa, meu amigo! Oh! Se visses aqueles olhos! (…) Eu… procurava os olhares de Carlota, e eles giravam ora para um, ora para outro… Em mim, porém, em mim que só por eles ali me achava, nem sequer reparavam! Mil vezes o me coração lhes disse adeus e ela não me viu! O trem partiu e senti que uma lágrima me rolava pela cara.
Vi-lhe assomar a cabeça à portinhola e debruçar-se para ver… seria a mim? Ah! Querido amigo! Fico na incerteza… e esta dúvida é consoladora, é meu alívio… Talvez fosse para mim que ela quisesse olhar… Talvez!
Adeus, boa noite… Oh! Como sou criança!”
10 de Julho
“Se visses a ridícula figura que eu faço quando alguém me fala dela na minha presença! Especialmente quando me perguntam se me agrada! Agrada! Tenho uma aversão mortal a essa palavra! Quem seria o homem a quem Carlota não agradasse? De quem não preenchesse todos os sentidos, de quem não absorvesse a vida inteira? Agrada! (…)”
16 de Julho
“Oh! Que fogo devorador me corre nas veias, quando por acaso, um dedo meu toca nos dela, ou quando os nossos pés se encontram por debaixo da mesa! E, apesar de fugir logo com eles, como de um braseiro ardente, uma força secreta me obriga a chegá-los novamente, numa vertigem que se apodera de todos os meu sentidos! Oh! A sua inocência, a sua alma ingénua, não sente o que estas pequenas intimidades me torturam! E se, durante a nossa conversa, ela pousa a sua na minha mão, ou, no interesse do diálogo, se aproxima de mim, bafejando-me o rosto com o seu delicioso hálito, parece-me que vou cair aniquilado, como que ferido por um raio… (…) se eu ousasse… aquela celestial candura… aquela confiança… Mas não… não… este coração não está assim corrupto! Fraco, sim… bastante fraco… E essa fraqueza não é corrupção? Compreendes-me! Carlota é sagrada para mim; todos os meus desejos se calam na sua presença. Junto dela perco toda a consciência de mim próprio… é como se a minha alma se me espalhasse pelos nervos. (…) ”
18 de Julho
“(…) que seria do mundo sem o amor? Exactamente o mesmo que uma lanterna mágica sem luz! Mas logo que se lhe põe a lâmpada, reflectem-se na alvura da parede as imagens multicolores. E, ainda mesmo que nada mais se veja do que fantasmas que desaparecem, nem assim esses fantasmas deixam de fazer a nossa felicidade, quando, pequeninos, os contemplamos, extasiando-nos ante essas maravilhas. (…)”
26 de Julho
“ Já por mais de uma vez prometi a mim mesmo não a ver tão frequentemente.
Mas quem pode cumprir uma promessa dessas? Todos os dias sucumbo à tentação e, quando saio de lá, é sempre com o firme propósito de não voltar no dia seguinte. Mas logo que acordo, encontro sempre um motivo imperioso e irresistível e, sem quase dar por isso, estou em casa dela.
Umas vezes é porque Carlota me tenha dito:
- Vem cá amanhã, não é verdade?
Quem há-de resistir a isto?
Outras vezes é porque ela me encarregou de qualquer comissão e julgo mais conveniente levar-lhe eu próprio a resposta. Finalmente, se o dia está bonito, vou até Wahlheim; mas quando lá chego, fico só a meia légua de distância da casa dela! Atrai-me… arrasta-me… e, sem saber como, eis-me lá! (…)”
30 de Julho
“Alberto chegou e eu vou-me embora! Ainda que ele fosse o melhor e o mais generoso dos homens, e que, a todos os respeitos, eu concordasse em lhe reconhecer superioridade sobre mim, ser-me-ia impossível vê-lo na minha presença, possuir um tal conjunto de perfeições… Possuir!...
Mas basta, (…) o noivo lá está. É um rapaz honesto e simpático, a quem ninguém pode deixar de respeitar. Por felicidade, eu não estava presente quando o receberam. Despedaçar-me-ia o coração! É, porém, de justiça dizer-te que Alberto é um homem tão sério que ainda nem uma única vez beijou Carlota na minha presença. Deus lho pague! Só pelo recato que tem para com ela devo-lhe toda a minha estima. Mostra-se meu amigo, mas suponho que essa amizade é devida mais à influência de Carlota do que ao seu próprio sentimento. (…)
Francamente eu não posso recusar a Alberto a minha estima A sua serenidade oferece um frisante contraste com o meu género irrequieto, que não me é possível dissimular.
É muito sensível e parece apreciar o tesouro que possui em Carlota. Manifesta-se pouco inclinado ao mau humor e tu sabes bem que é este o defeito que mais me aborrece nas pessoas. (…)
Seja, porem, como for, a felicidade de que eu gozava quando me via junto de Carlota desapareceu.
Que nome darei a isto? Loucura ou cegueira? Mas afinal o que importa o nome? O facto existe!
Antes da chegada de Alberto, já eu sabia o que sei agora, sabia que não podia ter ideias nela, e nenhumas tive… se é possível não as ter na presença de tantos atractivos. E agora – pobre insensato! – abro uns olhos muito espantados, porque chega um outro e ma rouba!
Rangem-me os dentes e indigno-me furiosamente contra os que me aconselham resignação, visto que o mal já não tem remédio. – Para longe espantalhos!
Percorro as matas e, quando chego a casa de Carlota e Alberto está junto dela, sentado debaixo do caramanchão, podes calcular como fico… doido! Não me contenho! Não há disparate que não pratique! É exuberância essa loucura! (…) ”
(Continua...)
Fiquem bem... Fiquem em paz! [[[ ]]]
domingo, agosto 19, 2007
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