16 de Junho
“ (…) travei um conhecimento que me toca de muito perto o coração. Tenho… Meu Deus eu nem sei o que tenho!...
Ser-me-ia impossível contar-te com clareza o modo por que conheci a mais adorável das criaturas… Estou contente, sou feliz, e, portanto, mau narrador.
Um anjo, é claro. Todos dizem a mesma coisa das mulheres que adoram, não é verdade? Mas esta é realmente um anjo! E no entanto não posso dizer como é perfeita! Basta dizer-te que cativou todo o meu ser!
Tanta simplicidade em tanto espírito, tanta bondade em tanta firmeza, o remanso da alma no meio da vida real, da vida activa!
Tudo, porém, o que estou contando dela é um montão de palavras, lugares-comuns, frias abstracções que não podem dar-te a mais simples ideia do que ela é.
(…) Os rapazes tinham projectado um baile no campo, no qual por condescendência consenti em tomar parte. Escolhi para meu par uma menina daqui, bonita, insinuante mas pouco espirituosa, e combinou-se que eu iria buscá-la num trem, a ela e a uma tia, e que no caminho se nos juntaria Carlota S…
- Vai conhecer uma linda menina – disse a minha companheira no momento em que, tendo atravessado um bosque o nosso trem parou à porta da residência do bailio.
- Mas tome cuidado, não se vá apaixonar por ela! – acrescentou a tia.
- Porque diz isso?
- Porque já está prometida a um belo rapaz a quem a morte do pai obrigou a fazer uma viagem para pôr os seus negócios em ordem e para solicitar um emprego importante.
(…) Enquanto ela (Carlota) falava, fitava eu avidamente aqueles lindos olhos negros; a minha alma estava suspensa dos seus lábios; fascinava-me, atraía-me a suave frescura daquelas faces. O que ele dizia absorvia-me por completo, sentia-me preso à magnitude dos seus pensamentos, acontecendo-me, todavia, por vezes, não ouvir as frases de que ela se servia para os exprimir.
(…) Fomos o segundo par na terceira contradança. Numa das marcas, ao seguirmos os pares, suspenso, sabe Deus com que delícia do seu braço e do seu olhar onde brilhava a expressão de um prazer ingénuo e franco, encontrámo-nos em frente de uma senhora, que já me impressionara pela bondade do seu semblante, o qual, todavia, não tinha já o frescor de primeira mocidade.
Olho, sorrindo, para Carlota, ameaçou-a com o dedo e pronunciou, por duas vezes, com certa intenção, o nome de Alberto.
- Se não é indiscrição – disse a Carlota –, posso saber quem é esse Alberto?
Ela ia responder-me, mas a grande chaine separou-nos; ao cruzarmo-nos, pareceu-me vê-la apreensiva.
- Para quê ocultá-lo? – disse ela, finalmente, estendendo-me a mão para a promenade – Alberto é o nome do meu noivo.
Esta notícia já não era nova para mim, porque as minhas duas companheiras ma tinham comunicado, pelo caminho; contudo, foi terrível o choque que recebi, mal podendo compreender que se tratasse daquela que, em tão pouco tempo, se apoderara de todo o meu ser. Em suma, perdi a cabeça, errei a marca, indo colocar-me onde não devia estar, a ponto de ser preciso que Carlota, com a sua habitual serenidade, me puxasse para o lugar devido, restabelecendo assim a ordem que eu perturbara.
O baile continuava ainda quando os relâmpagos, que havia já algum tempo fuzilavam no horizonte e que eu assegurara serem produzidos pelo calor, redobraram de intensidade, seguidos de medonhos trovões que vieram abafar o som da música.
(…) Aproximando-me da janela; os trovões ouviam-se ao longe; a chuva caía abundante pelos campos fora, com doce murmúrio, enviando-nos um perfume delicioso e vivificante, que o ar dilatado pelo calor trazia às lufadas.
Carlota apoiou o cotovelo no parapeito e os seus olhos, percorrendo primeiro o horizonte, ergueram-se depois ao céu, fitando-os finalmente em mim rasos de lágrimas.
(…) Não me contive. Curvei-me e beijei-lhe as mãos a verter deliciosas lágrimas. Depois os meus olhos voltaram a procurar os dela. (…)”
“ (…) travei um conhecimento que me toca de muito perto o coração. Tenho… Meu Deus eu nem sei o que tenho!...
Ser-me-ia impossível contar-te com clareza o modo por que conheci a mais adorável das criaturas… Estou contente, sou feliz, e, portanto, mau narrador.
Um anjo, é claro. Todos dizem a mesma coisa das mulheres que adoram, não é verdade? Mas esta é realmente um anjo! E no entanto não posso dizer como é perfeita! Basta dizer-te que cativou todo o meu ser!
Tanta simplicidade em tanto espírito, tanta bondade em tanta firmeza, o remanso da alma no meio da vida real, da vida activa!
Tudo, porém, o que estou contando dela é um montão de palavras, lugares-comuns, frias abstracções que não podem dar-te a mais simples ideia do que ela é.
(…) Os rapazes tinham projectado um baile no campo, no qual por condescendência consenti em tomar parte. Escolhi para meu par uma menina daqui, bonita, insinuante mas pouco espirituosa, e combinou-se que eu iria buscá-la num trem, a ela e a uma tia, e que no caminho se nos juntaria Carlota S…
- Vai conhecer uma linda menina – disse a minha companheira no momento em que, tendo atravessado um bosque o nosso trem parou à porta da residência do bailio.
- Mas tome cuidado, não se vá apaixonar por ela! – acrescentou a tia.
- Porque diz isso?
- Porque já está prometida a um belo rapaz a quem a morte do pai obrigou a fazer uma viagem para pôr os seus negócios em ordem e para solicitar um emprego importante.
(…) Enquanto ela (Carlota) falava, fitava eu avidamente aqueles lindos olhos negros; a minha alma estava suspensa dos seus lábios; fascinava-me, atraía-me a suave frescura daquelas faces. O que ele dizia absorvia-me por completo, sentia-me preso à magnitude dos seus pensamentos, acontecendo-me, todavia, por vezes, não ouvir as frases de que ela se servia para os exprimir.
(…) Fomos o segundo par na terceira contradança. Numa das marcas, ao seguirmos os pares, suspenso, sabe Deus com que delícia do seu braço e do seu olhar onde brilhava a expressão de um prazer ingénuo e franco, encontrámo-nos em frente de uma senhora, que já me impressionara pela bondade do seu semblante, o qual, todavia, não tinha já o frescor de primeira mocidade.
Olho, sorrindo, para Carlota, ameaçou-a com o dedo e pronunciou, por duas vezes, com certa intenção, o nome de Alberto.
- Se não é indiscrição – disse a Carlota –, posso saber quem é esse Alberto?
Ela ia responder-me, mas a grande chaine separou-nos; ao cruzarmo-nos, pareceu-me vê-la apreensiva.
- Para quê ocultá-lo? – disse ela, finalmente, estendendo-me a mão para a promenade – Alberto é o nome do meu noivo.
Esta notícia já não era nova para mim, porque as minhas duas companheiras ma tinham comunicado, pelo caminho; contudo, foi terrível o choque que recebi, mal podendo compreender que se tratasse daquela que, em tão pouco tempo, se apoderara de todo o meu ser. Em suma, perdi a cabeça, errei a marca, indo colocar-me onde não devia estar, a ponto de ser preciso que Carlota, com a sua habitual serenidade, me puxasse para o lugar devido, restabelecendo assim a ordem que eu perturbara.
O baile continuava ainda quando os relâmpagos, que havia já algum tempo fuzilavam no horizonte e que eu assegurara serem produzidos pelo calor, redobraram de intensidade, seguidos de medonhos trovões que vieram abafar o som da música.
(…) Aproximando-me da janela; os trovões ouviam-se ao longe; a chuva caía abundante pelos campos fora, com doce murmúrio, enviando-nos um perfume delicioso e vivificante, que o ar dilatado pelo calor trazia às lufadas.
Carlota apoiou o cotovelo no parapeito e os seus olhos, percorrendo primeiro o horizonte, ergueram-se depois ao céu, fitando-os finalmente em mim rasos de lágrimas.
(…) Não me contive. Curvei-me e beijei-lhe as mãos a verter deliciosas lágrimas. Depois os meus olhos voltaram a procurar os dela. (…)”
19 de Junho
“Em que ponto da minha narrativa fique quando te escrevi não sei. Mas o que sei é que me deitei às duas horas da manhã e que, se em vez de te escrever, pudesse contar-te tudo de viva voz, ter-te-ia demorado até ao nascer do sol!
Ainda não te disse o que se passou na nossa volta do baile e não sobra hoje tempo para o fazer.
Rompia a aurora, linda e esplendorosa; a água caía gota a gota das folhas do arvoredo, refrescava os campos; dir-se-ia que a natureza renascia em redor de nós. (…)”
21 de Junho
“ (…) Sinto-me orgulhoso por ver que possuo um coração capaz de sentir essa inocente alegria do homem que põe sobre a mesa a couve que ele próprio semeou, e que não só goza de vê-la, como também recorda ao mesmo tempo os belos dias que passou a tratá-la, a linda manhã em que a plantou, as amenas tardes em que a regou e, finalmente, o prazer que sentiu de a ver crescer e engrossar!”
29 de Junho
“ (…) são as crianças o que no mundo mais me fala ao coração. Quando observo esses pequeninos entes vejo neles o germe de todas as faculdades de que tanto hão-de carecer um dia; quando vejo na sua teimosia a sua futura constância e firmeza de carácter, nas suas travessuras a alegria e o estouvamento que lhes aplanará a estrada da vida, tão cheia de perigosos precipícios; quando, finalmente, contemplo tanta pureza e fraqueza, não me canso de repetir uma e mil vezes essas precisas palavras do Divino Mestre:
- Se não vos tornardes como alguma dessas crianças!E, contudo, (…), esses entes, que são nossos semelhantes e que deveríamos tomar por modelos, tratamo-los como se fossem escravos e não lhes reconhecemos direito algum. Mas acaso não temos nós tantos? E em que consistem os nossos privilégios? Em sermos mais idosos e mais sisudos? Deus meu! Lá do alto da glória, não vês este mundo senão conhecer, de há muito, aquelas que preferes… Nós, porém, cremos Nele e não o escutamos – é ainda uma grande verdade! (…)”
(Continua)
Fiquem bem... ;) Fiquem em paz [[ ]]
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