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domingo, agosto 19, 2007

Werther (Parte 3)

1 de Julho

“ (…) Não há anda mais que me desgoste do que ver os homens atormentarem-se reciprocamente, e em especial, se, sendo moços, na flor da vida, quando as suas almas facilmente se poderiam abrir a todos os sentimentos do prazer, perdem por estúpidas susceptibilidades os poucos dias bons de que podem gozar, compreendendo somente quanto é louco esse desperdício quando já não é tempo de reparar o mal. (…)
- Estamos continuamente a lamentar-nos por termos tão poucos dias bons e tantos maus: mas, na minha opinião, queixamo-nos infundadamente. Se a nossa alma estivesse sempre aberta ao gozo da felicidade que Deus nos concede, teríamos depois a força necessária para suportar o mal quando se nos apresentasse.
- O pior (…) é que não temos o coração nas mãos. Há coisas que dependem do corpo. E quando o corpo enferma a alma adoece também.
Concordei.
- Mas, nesse caso – acrescentei em seguida –, devemos procurar aplicar qualquer remédio.
- Sou de igual parecer – disse Carlota. – Pelo menos, julgo que muito se pode obter por nossa iniciativa, e digo-o por experiência própria. Quando qualquer coisa me inquieta ou entristece, levanto-me de onde estou, vou a dançar até ao jardim, canto duas ou três árias… e era uma vez o desgosto!
- Era exactamente isso que eu queria – confirmei. – Acontece com a má disposição de espírito o mesmo que com a preguiça, visto que temos para estas tendências naturais; mas, se temos força para reagir e nos reanimarmos, o amor ao trabalho vence e achamos que a actividade nos dá um grande gozo.
(…) Schmidt objectou novamente que ninguém pode ser senhor de si próprio nem dominar as próprias sensações.
Repliquei:
- Aqui trata-se de um sentimento desagradável, de que cada um deve querer defender-se; e quanto às forças morais, ninguém conhece até onde chegam as suas antes de as experimentar. O desejo de um doente não será consultar todos os médicos, acatar e cumprir-lhes todas as prescrições, submeter-se ao seu tratamento por mais rigoroso que seja, para recobrar a saúde perdida? (…)
- Não falta quem pregue contra os vícios da humanidade; mas nunca ouvi que no púlpito alguém condenasse o mau humor. (…)
Por fim Schmidt retomou a palavra:
- O Sr. Werther chamou ao mau humor um vício Parece-me um tanto exagerado.
- Um vício sim, nada menos – respondi eu –, se esse nome se pode dar ao que nos prejudica a nós e ao nosso próximo. Acaso não basta a impossibilidade em que nos encontramos de nos tornarmos mutuamente felizes? Será ainda necessário destruirmos uns aos outros os poucos prazeres que nos é permitido gozar? Mostre-me um homem de mau humor corajoso bastante para ocultar a sua melancolia, carregando sozinho com o peso dela, para não perturbar a alegria dos que o rodeiam; não será antes um despeito interior da nossa própria insuficiência, um descontentamento de nós mesmos, sempre aliado à inveja excitada por uma louca vaidade? Não há ninguém que possa encarar com gosto quando essa felicidade não for obra nossa. (…)”

8 de Julho

“ Como somos crianças! Até de um olhar temos ciúmes! Como somos crianças!
Fomos passear (…). E durante o nosso passeio, julguei ver nos olhos negros de Carlota… Estou doido! Perdoa, meu amigo! Oh! Se visses aqueles olhos! (…) Eu… procurava os olhares de Carlota, e eles giravam ora para um, ora para outro… Em mim, porém, em mim que só por eles ali me achava, nem sequer reparavam! Mil vezes o me coração lhes disse adeus e ela não me viu! O trem partiu e senti que uma lágrima me rolava pela cara.
Vi-lhe assomar a cabeça à portinhola e debruçar-se para ver… seria a mim? Ah! Querido amigo! Fico na incerteza… e esta dúvida é consoladora, é meu alívio… Talvez fosse para mim que ela quisesse olhar… Talvez!
Adeus, boa noite… Oh! Como sou criança!”

10 de Julho

“Se visses a ridícula figura que eu faço quando alguém me fala dela na minha presença! Especialmente quando me perguntam se me agrada! Agrada! Tenho uma aversão mortal a essa palavra! Quem seria o homem a quem Carlota não agradasse? De quem não preenchesse todos os sentidos, de quem não absorvesse a vida inteira? Agrada! (…)”

16 de Julho

“Oh! Que fogo devorador me corre nas veias, quando por acaso, um dedo meu toca nos dela, ou quando os nossos pés se encontram por debaixo da mesa! E, apesar de fugir logo com eles, como de um braseiro ardente, uma força secreta me obriga a chegá-los novamente, numa vertigem que se apodera de todos os meu sentidos! Oh! A sua inocência, a sua alma ingénua, não sente o que estas pequenas intimidades me torturam! E se, durante a nossa conversa, ela pousa a sua na minha mão, ou, no interesse do diálogo, se aproxima de mim, bafejando-me o rosto com o seu delicioso hálito, parece-me que vou cair aniquilado, como que ferido por um raio… (…) se eu ousasse… aquela celestial candura… aquela confiança… Mas não… não… este coração não está assim corrupto! Fraco, sim… bastante fraco… E essa fraqueza não é corrupção? Compreendes-me! Carlota é sagrada para mim; todos os meus desejos se calam na sua presença. Junto dela perco toda a consciência de mim próprio… é como se a minha alma se me espalhasse pelos nervos. (…) ”

18 de Julho

“(…) que seria do mundo sem o amor? Exactamente o mesmo que uma lanterna mágica sem luz! Mas logo que se lhe põe a lâmpada, reflectem-se na alvura da parede as imagens multicolores. E, ainda mesmo que nada mais se veja do que fantasmas que desaparecem, nem assim esses fantasmas deixam de fazer a nossa felicidade, quando, pequeninos, os contemplamos, extasiando-nos ante essas maravilhas. (…)”

26 de Julho

“ Já por mais de uma vez prometi a mim mesmo não a ver tão frequentemente.
Mas quem pode cumprir uma promessa dessas? Todos os dias sucumbo à tentação e, quando saio de lá, é sempre com o firme propósito de não voltar no dia seguinte. Mas logo que acordo, encontro sempre um motivo imperioso e irresistível e, sem quase dar por isso, estou em casa dela.
Umas vezes é porque Carlota me tenha dito:
- Vem cá amanhã, não é verdade?
Quem há-de resistir a isto?
Outras vezes é porque ela me encarregou de qualquer comissão e julgo mais conveniente levar-lhe eu próprio a resposta. Finalmente, se o dia está bonito, vou até Wahlheim; mas quando lá chego, fico só a meia légua de distância da casa dela! Atrai-me… arrasta-me… e, sem saber como, eis-me lá! (…)”

30 de Julho

“Alberto chegou e eu vou-me embora! Ainda que ele fosse o melhor e o mais generoso dos homens, e que, a todos os respeitos, eu concordasse em lhe reconhecer superioridade sobre mim, ser-me-ia impossível vê-lo na minha presença, possuir um tal conjunto de perfeições… Possuir!...
Mas basta, (…) o noivo lá está. É um rapaz honesto e simpático, a quem ninguém pode deixar de respeitar. Por felicidade, eu não estava presente quando o receberam. Despedaçar-me-ia o coração! É, porém, de justiça dizer-te que Alberto é um homem tão sério que ainda nem uma única vez beijou Carlota na minha presença. Deus lho pague! Só pelo recato que tem para com ela devo-lhe toda a minha estima. Mostra-se meu amigo, mas suponho que essa amizade é devida mais à influência de Carlota do que ao seu próprio sentimento. (…)
Francamente eu não posso recusar a Alberto a minha estima A sua serenidade oferece um frisante contraste com o meu género irrequieto, que não me é possível dissimular.
É muito sensível e parece apreciar o tesouro que possui em Carlota. Manifesta-se pouco inclinado ao mau humor e tu sabes bem que é este o defeito que mais me aborrece nas pessoas. (…)
Seja, porem, como for, a felicidade de que eu gozava quando me via junto de Carlota desapareceu.
Que nome darei a isto? Loucura ou cegueira? Mas afinal o que importa o nome? O facto existe!
Antes da chegada de Alberto, já eu sabia o que sei agora, sabia que não podia ter ideias nela, e nenhumas tive… se é possível não as ter na presença de tantos atractivos. E agora – pobre insensato! – abro uns olhos muito espantados, porque chega um outro e ma rouba!
Rangem-me os dentes e indigno-me furiosamente contra os que me aconselham resignação, visto que o mal já não tem remédio. – Para longe espantalhos!
Percorro as matas e, quando chego a casa de Carlota e Alberto está junto dela, sentado debaixo do caramanchão, podes calcular como fico… doido! Não me contenho! Não há disparate que não pratique! É exuberância essa loucura! (…) ”

(Continua...)

Fiquem bem... Fiquem em paz! [[[ ]]]

segunda-feira, agosto 13, 2007

Werther (Parte 2)

16 de Junho

“ (…) travei um conhecimento que me toca de muito perto o coração. Tenho… Meu Deus eu nem sei o que tenho!...
Ser-me-ia impossível contar-te com clareza o modo por que conheci a mais adorável das criaturas… Estou contente, sou feliz, e, portanto, mau narrador.
Um anjo, é claro. Todos dizem a mesma coisa das mulheres que adoram, não é verdade? Mas esta é realmente um anjo! E no entanto não posso dizer como é perfeita! Basta dizer-te que cativou todo o meu ser!
Tanta simplicidade em tanto espírito, tanta bondade em tanta firmeza, o remanso da alma no meio da vida real, da vida activa!
Tudo, porém, o que estou contando dela é um montão de palavras, lugares-comuns, frias abstracções que não podem dar-te a mais simples ideia do que ela é.
(…) Os rapazes tinham projectado um baile no campo, no qual por condescendência consenti em tomar parte. Escolhi para meu par uma menina daqui, bonita, insinuante mas pouco espirituosa, e combinou-se que eu iria buscá-la num trem, a ela e a uma tia, e que no caminho se nos juntaria Carlota S…
- Vai conhecer uma linda menina – disse a minha companheira no momento em que, tendo atravessado um bosque o nosso trem parou à porta da residência do bailio.
- Mas tome cuidado, não se vá apaixonar por ela! – acrescentou a tia.
- Porque diz isso?
- Porque já está prometida a um belo rapaz a quem a morte do pai obrigou a fazer uma viagem para pôr os seus negócios em ordem e para solicitar um emprego importante.
(…) Enquanto ela (Carlota) falava, fitava eu avidamente aqueles lindos olhos negros; a minha alma estava suspensa dos seus lábios; fascinava-me, atraía-me a suave frescura daquelas faces. O que ele dizia absorvia-me por completo, sentia-me preso à magnitude dos seus pensamentos, acontecendo-me, todavia, por vezes, não ouvir as frases de que ela se servia para os exprimir.
(…) Fomos o segundo par na terceira contradança. Numa das marcas, ao seguirmos os pares, suspenso, sabe Deus com que delícia do seu braço e do seu olhar onde brilhava a expressão de um prazer ingénuo e franco, encontrámo-nos em frente de uma senhora, que já me impressionara pela bondade do seu semblante, o qual, todavia, não tinha já o frescor de primeira mocidade.
Olho, sorrindo, para Carlota, ameaçou-a com o dedo e pronunciou, por duas vezes, com certa intenção, o nome de Alberto.
- Se não é indiscrição – disse a Carlota –, posso saber quem é esse Alberto?
Ela ia responder-me, mas a grande chaine separou-nos; ao cruzarmo-nos, pareceu-me vê-la apreensiva.
- Para quê ocultá-lo? – disse ela, finalmente, estendendo-me a mão para a promenade – Alberto é o nome do meu noivo.
Esta notícia já não era nova para mim, porque as minhas duas companheiras ma tinham comunicado, pelo caminho; contudo, foi terrível o choque que recebi, mal podendo compreender que se tratasse daquela que, em tão pouco tempo, se apoderara de todo o meu ser. Em suma, perdi a cabeça, errei a marca, indo colocar-me onde não devia estar, a ponto de ser preciso que Carlota, com a sua habitual serenidade, me puxasse para o lugar devido, restabelecendo assim a ordem que eu perturbara.
O baile continuava ainda quando os relâmpagos, que havia já algum tempo fuzilavam no horizonte e que eu assegurara serem produzidos pelo calor, redobraram de intensidade, seguidos de medonhos trovões que vieram abafar o som da música.
(…) Aproximando-me da janela; os trovões ouviam-se ao longe; a chuva caía abundante pelos campos fora, com doce murmúrio, enviando-nos um perfume delicioso e vivificante, que o ar dilatado pelo calor trazia às lufadas.
Carlota apoiou o cotovelo no parapeito e os seus olhos, percorrendo primeiro o horizonte, ergueram-se depois ao céu, fitando-os finalmente em mim rasos de lágrimas.
(…) Não me contive. Curvei-me e beijei-lhe as mãos a verter deliciosas lágrimas. Depois os meus olhos voltaram a procurar os dela. (…)”

19 de Junho

“Em que ponto da minha narrativa fique quando te escrevi não sei. Mas o que sei é que me deitei às duas horas da manhã e que, se em vez de te escrever, pudesse contar-te tudo de viva voz, ter-te-ia demorado até ao nascer do sol!
Ainda não te disse o que se passou na nossa volta do baile e não sobra hoje tempo para o fazer.
Rompia a aurora, linda e esplendorosa; a água caía gota a gota das folhas do arvoredo, refrescava os campos; dir-se-ia que a natureza renascia em redor de nós. (…)”

21 de Junho

“ (…) Sinto-me orgulhoso por ver que possuo um coração capaz de sentir essa inocente alegria do homem que põe sobre a mesa a couve que ele próprio semeou, e que não só goza de vê-la, como também recorda ao mesmo tempo os belos dias que passou a tratá-la, a linda manhã em que a plantou, as amenas tardes em que a regou e, finalmente, o prazer que sentiu de a ver crescer e engrossar!”

29 de Junho

“ (…) são as crianças o que no mundo mais me fala ao coração. Quando observo esses pequeninos entes vejo neles o germe de todas as faculdades de que tanto hão-de carecer um dia; quando vejo na sua teimosia a sua futura constância e firmeza de carácter, nas suas travessuras a alegria e o estouvamento que lhes aplanará a estrada da vida, tão cheia de perigosos precipícios; quando, finalmente, contemplo tanta pureza e fraqueza, não me canso de repetir uma e mil vezes essas precisas palavras do Divino Mestre:
- Se não vos tornardes como alguma dessas crianças!E, contudo, (…), esses entes, que são nossos semelhantes e que deveríamos tomar por modelos, tratamo-los como se fossem escravos e não lhes reconhecemos direito algum. Mas acaso não temos nós tantos? E em que consistem os nossos privilégios? Em sermos mais idosos e mais sisudos? Deus meu! Lá do alto da glória, não vês este mundo senão conhecer, de há muito, aquelas que preferes… Nós, porém, cremos Nele e não o escutamos – é ainda uma grande verdade! (…)”




(Continua)
Fiquem bem... ;) Fiquem em paz [[ ]]

Werther (Parte 1)

Sim, é Agosto. Sim, estou de férias. E como tal, há quem decida pôr a sua leitura em dia neste período, por variadíssimas razões: uns porque é um lazer a custo zero, outros porque é um hábito que se tornou quiçá um vício ao longo dos tempos, enfim.
Eu estou a fazer exactamente o que disse no final de Julho: vou passar grande parte das minhas férias rodeado dos meus livros, das suas histórias e mundos afins.
Optei por começar por Werther, uma obra alemã muito conhecida do autor Johann Wolfgang von GOETHE. Trata-se de um romance da corrente modernista com influências iluministas provenientes da época. Pensei que fosse ser algo de fácil leitura. Afinal enganei-me. É um livro sobre o qual devemos ter atenção sobre o mínimo detalhe, a máxima descrição, e sobretudo pelas reflexões por ele feitas ao longo do livro. Devo dizer que para mim, foi uma surpresa. Várias das reflexões que vão surgindo ao longo do livro, são pensamentos com que nos continuamos a deparar na actualidade, além de que me identifico em alguns aspectos com a personagem principal do livro (Werther).
Deixo-vos aqui alguns excertos, com algumas das reflexões descritas pelo autor. Leiam e pensem para convosco próprios… E vejam que a vida é um horizonte de rumos complexos…

4 de Maio de 1771

“ (…) Não quero ficar a remoer o mais pequeno mal que o destino me envia, como tenho sempre feito; quero gozar o presente e esquecer o passado.
Tens razão, meu amigo, os nossos desgostos não seriam tão acerbos se os homens – e só Deus sabe porque os criou assim – em vez de suportarem o presente de ânimo sereno não obrigassem a memória a recordar males passados.
(…) Sinto-me bem aqui. A solidão, nesta região paradisíaca, é um bálsamo precioso para o meu coração, e esta estação da juventude aquece-me o coração por vezes tão sensível. Cada árvore, cada sebe é um ramo de flores; dá vontade de ser besouro para voejar sobre este oceano de verdura perfumada e aí encontrar o seu alimento.”

10 de Maio

“ (…) Amigo, que assim me vejo inundado de luz, quando o mundo e o céu vêm gravar-se-me no coração, como a imagem de uma mulher amada, então digo a mim próprio: «Se pudesses exprimir o que sentes! Se pudesses exalar e fixar sobre o papel o que vive em ti com tanto calor e tanta plenitude de maneira a que essa obra se transformasse em espelho da tua alma, como a tua alma é o espelho do Eterno!...»
Meu amigo, sinto-me a desfalecer de êxtase!
A minha fraqueza sucumbe ante a grandiosidade destas visões.”

13 de Maio

“ (…) Acaso será preciso dizer-to, a ti, meu bom amigo, a quem tantas vezes fatiguei com os meus modos bruscos, passando subitamente de um acesso de desprezo a uma louca alegria e do abatimento melancólico à tempestade do furor? Trato o coração como se trata uma criança doente, satisfazendo-lhe todos os caprichos.
Mas não o digas a pessoa alguma: quem o soubesse veria no meu procedimento um crime.

15 de Maio

“ (…) Em geral, os homens de certa posição abstêm-se de qualquer familiaridade com gente de classe inferior pelo receio de perderem um pouco da própria dignidade; havendo também gente leviana, estouvada e de mau gosto que só se aproxima do povo para o desdenhar e motejar.
Bem sei que não somos, não poderíamos, nem saberíamos ser todos iguais; mas na minha opinião, aquele que se afasta do povo para se impor ao respeito é tão digno de censura como o poltrão que foge do adversário pelo receio de ser vencido.

17 de Maio

“Tenho aqui travado conhecimentos de toda a espécie, mas ainda não estabeleci relações. Não sei o que de atraente encontram na minha pessoa; há muitas pessoas que simpatizam comigo e me fazem companhia, de maneira a sentir-me triste quando é por pouco tempo que passeio com elas.
Se me perguntares como é a gente daqui, responder-te-ei: como em toda a parte. A espécie humana é de uma desoladora uniformidade; a sua maioria trabalha durante a maior parte do tempo para ganhar a vida, e, se algumas horas lhe ficam, horas tão preciosas, são-lhe de tal forma pesadas que busca todos os meios para as ver passar. Triste destino o da humanidade!
De resto é boa gente.
Quando, às vezes, me esqueço de mim e partilho com eles das alegrias ainda acessíveis aos homens, uma alegre reunião à roda de uma mesa bem servida, ou em passeios, bailes campestres e coisas semelhantes, sinto um benéfico bem-estar se consigo esquecer que há em mim outras faculdades cujas molas se enferrujam por falta de exercício e que sou obrigado a dissimular cuidadosamente.
– Ah! Como este pensamento me confrange o coração!...
E, no entanto, ser incompreendido é a sorte de muita gente! (…)”

22 de Maio

Que a vida é apenas um sonho já antes de mim outros o disseram, e é esta uma ideia que me persegue por toda a parte. Quando vejo em que estreitos limites se encerram as belas faculdades do homem; quando vejo que a sua actividade e a sua inteligência se esgotam para a simples satisfação de necessidades tendentes a prolongar a nossa pobre existência, quando considero que a sua tranquilidade, em presença de certos problemas da vida, é tão-somente uma ilusória resignação, como seria a do prisioneiro cujo cárcere tivesse as paredes revestidas de pinturas atraentes e variadas, então, (…) concentro o espírito em recolhimento e encontro nele um mundo de pensamentos… ou antes de percepções confusas e de vagos desejos… Não são raciocínios, ainda menos projectos de acção, mas intangíveis sonhos que me flutuam ante os olhos e nos quais gostosamente me perco.
Todos os pedagogos do universo estão de acordo sobre este ponto; as crianças querem as coisas sem saber porque as querem; mas que homens feitos se arrastem, cambaleando, pelo globo, como as crianças, sem saberem, como elas, de onde vêm nem para onde vão, que não tenham mais conhecimentos dos seus actos e que igualmente se deixem governar com açoites e bolos, eis o que custa acreditar. E, não obstante, é tudo quanto há de mais verdadeiro.
Concordo de bom grado (…) que esses são os mais felizes; como as crianças, só vivem para o presente, passeando, vestindo e despindo cem vezes as suas bonecas; espreitando, com cobiça e respeito simultaneamente, a gaveta onde a mamã tem os bolos guardados; e quando, enfim, conseguem o que desejam, gritam com a boca cheia: «Mais!»
Sim, são essas as mais felizes criaturas. Felizes também aqueles que, dando às suas ocupações fúteis, ou mesmo às suas loucuras, nomes pomposos, as que querem fazer passar como proezas de gigante, realizadas em proveito, honra e glória da humanidade. Ditosos os que assim podem pensar! Mas quem os aprecia pelo que eles valem e vê aonde isso conduz; quem vê com que jubilo o modesto burguês faz do seu pequeno jardim um paraíso e com que humilde resignação o desprotegido da sorte, vergando ao peso da miséria, se arrasta pelo caminho espinhoso da vida! Quem vê que em todos é igual o desejo de contemplar um minuto mais a luz do céu, esse sim, observador calmo e livre de cuidados, arquitecta o seu mundo e é feliz, porque pensa e é homem. Por pouco inteligente que seja, basta-lhe ter no coração o sentimento consolador da sua liberdade e saber que pode sair desta prisão logo que queira.”

26 de Maio

“ (…) Só ela (a Natureza) tem tesouros inexauríveis, só ela pode criar os grandes artistas. Muito se pode dizer em favor das regras, como também em louvor das leis da sociedade. Assim o homem que se conduza segundo as regras nunca produzirá um trabalho ridículo ou mau, do mesmo modo, aquele que obedeça às leis e às convenções sociais não será nunca um vizinho insuportável nem um emérito malfeitor. Mas também, diga-se o que se disser, as regras atrofiam o verdadeiro sentimento e a pura expressão da natureza. (…) ”

30 de Maio

“ (…) Fui hoje testemunha de uma cena, que, bem descrita, daria o mais belo idílio do mundo.
(…) Se, após este exórdio, esperas alguma descrição grandiosa e sublime, vais sofrer uma desilusão. Foi simplesmente um camponês que despertou em mim esta emoção.
(…) Estavam reunidas algumas pessoas debaixo das tílias, a tomar o café; como, porém, não fossem muito do meu agrado, procurei um pretexto e deixei-me ficar para trás.
Vi então sair de uma casa próxima um camponês, ainda novo, que foi fazer qualquer reparação na charrua que eu tinha desenhado. Agradou-me o seu aspecto, e aproximando-me dirigi-lhe perguntas sobre o seu modo de vida. Dentro em pouco já entre nós havia uma certa intimidade, como me acontece frequentes vezes quando falo com esta boa gente.
Contou que estava ao serviço duma viúva, por quem era tratado com extrema bondade. Mas com tanto entusiasmo me falou dela, tecendo-lhe tão grandes elogios, que compreendi rapidamente que ele lhe era dedicado de corpo e alma.
-- Já não é nova – acrescentou ele – e, como foi muito infeliz com o marido, que a tratava muito mal, não quer tornar a casar-se.
Toda aquela narrativa mostrava tão claramente quanto a seus olhos ela era bela e sedutora, quanto desejava que ela o acolhesse para lhe fazer esquecer os agravos do marido, com tanta paixão o disse que seria preciso repeti-lo palavra por palavra para poderes compreender a dedicação, o amor e o entusiasmo daquele homem. Seria preciso possuir o talento do maior poeta para reproduzir a expressão daqueles gestos, a energia daquele olhar vago e rude e a animação daquele semblante. Não. As minhas palavras só imperfeitamente te descreveriam a ternura que lhe brilhava nos olhos; tudo o que eu dissesse seria vago e descolorido. Impressionou-me em especial o receio que ele deixou transparecer de que eu concebesse quaisquer desconfianças sobre o bom procedimento do seu ídolo, ou que a suspeitasse capaz de esquecer o que devia à própria dignidade.
Aquela linguagem abalou-me profundamente o coração. Nunca na vida encontrei tanto ardor aliada a tanta pureza. Digo-o sinceramente; nunca tinha imaginado, ou sequer sonhado essa pureza. Não me ralhes se à recordação desta inocência e sinceridade sinto no interior um fogo abrasador que me persegue para onde quer que vá, e me inflama, me consome e enfraquece. Quero ver essa mulher… mas não… pensando melhor, devo evitá-la e vê-la apenas pelos olhos do seu adorador. Talvez aos meus olhos ela não parecesse tão bela como é neste momento. Para quê, pois, prejudicar o meu ideal?”


(Continua...)

Fiquem bem...Fiquem em paz... [ ]

sábado, agosto 11, 2007

Jogos de Sabedoria

No inicio deste mês, passei uma noite de amena cavaqueira com a minha grande amiga Inês... :)

E posso dizer que foi uma noite quiça produtiva... quiça das melhores que tive.

Foi uma noite calma, repleta de cerveja, e acima de tudo, naturalidade e sinceridade. Foram momentos que me proporcionaram a que eu crescesse mais um pouco nesta humilde vida de mero ser humano.

Aprendi três jogos, cada um deles, sábio à sua própria maneira, e todos eles com lógicas muito simples...

- Jogo da Maionese:

Temos um frasco de maionese, para dentro do qual, introduzimos as "coisas da vida". Primeiro introduzimos as bolas, que representam as grandes coisas, como familia, amores. Seguem-se os fósforos, que representam um carro de estima, uma grande viagem. Posteriormente vem a areia, que é simbolizada pelo sorriso de uma criança que vemos na rua, por pequenos momentos agradáveis que nos marcam. E no fim, depois do frasco estar cheio... introduzimos o CAFÉ... por quê?! - perguntam vocês...
Porque depois de enchermos o frasco da maionese, ou seja, a nossa vida, há ainda sempre um pequeno espaço para tomar café com amigos que não vemos há muito tempo. :) Bela moral de história...
Note-se que se introduzirmos primeiro a "areia", depois as "bolas" não cabem. Toda esta alegoria para dizer que devemos dar valor às coisas elementares da vida, sem nos perdermos na futilidade do acessório. :)

- Jogo do Mestre do Escorpião:

Temos um Mestre do seu barco com o seu marinheiro, a navegar... quando avistam um escorpião que se está a afogar. O Mestre tenta ajudar o Escorpião a subir para o navio, de forma a salvá-lo. Por outro lado o escorpião, como ser irracional, apenas faz o que sempre costuma fazer: picar. E pica incessantemente o Mestre, enquanto este o tenta ajudar. Até que o marinheiro dirige-se ao seu Mestre e pergunta-lhe:
- Por que é que não pára de tentar ajudar o escorpião a subir, se ele não pára de o picar?
Ao que o Mestre responde-lhe:
- A função do escorpião é picar alguém, mas a minha é ajudar ESSE alguém.
Moral da história: não se admirem de verem sempre pessoas a "picarem" tudo e mais alguma coisa, e simultaneamente haver sempre alguém que nunca negue apoio para ajudar algo/alguém a "subir para o barco". :)

- Jogo da Serpente e do Pirilampo:

A Serpente encontra um Pirilampo, perseguindo-o incessantemente. Este, por sua vez, foge sem parar de brilhar...
Passa-se um, passam-se dois, três dias sem parar... até que o Pirilampo, exausto, pára e diz:
- Sei que me vais matar, mais primeiro posso fazer 3 perguntas?
- Tudo bem. - diz a cobra.
- Fiz-te algum mal? - pergunta o Pirilampo amedrontado.
- Não. - diz a Serpente com sarcasmo.
- Pertenço à tua cadeia alimentar?
- Não.
- Então por que me queres matar?
- Porque simplesmente não gosto de te ver "brilhar".

O mundo está cheio de "serpentes" que fazem de tudo para não nos fazer "brilhar" apenas por razões idiotas.
Cabe-nos a nós fazer tudo o que está ao nosso alcance para que o "brilho" permaneça, independentemente das investidas alheias.

Paralelamente a esta noite em que reservei um café com a Inês, pensava sobre a seguinte questão: "Será o fim de um mês?"
Não "será"... Foi. Foi o fim dum excelente e atribulado mês, repleto de emoções e sensações de todos os tipos. Jamais te esquecerei. Obrigado por tudo: alegrias, tristezas, choros, risos, mágoas, orgulho ferido...
Obrigado.
Contigo aprendi...
Contigo cresci...



E pronto... por hoje é tudo...

Fiquem bem.
Fiquem em paz. [[ ]]